segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Todas as faces do autismo
Fantástico acerta no primeiro episódio de série sobre a síndrome
Por Silvia Ruiz
05.08.2013

Minha mãe, a babá do meu filho, o porteiro e os colegas de trabalho e amigos vieram me perguntar hoje o que achei do primeiro episódio da série do Fantástico, Autismo - Universo Particular. Confesso que estava com frio da barriga antes de ver. Um programa com a audiência massiva como esse pode colocar a questão da conscientização sobre a síndrome no Brasil num outro patamar. Mas a quantidade de equívocos e bobagens que já vi meus colegas de profissão propagar sobre o tema me deixa sempre com os dois pés atrás. 
O programa foi bom. Muito bom. Fiquei aliviada. Foi didático para quem não entende nada sobre o assunto, teve um dos maiores especialistas do País como consultor, o neurologista Salomão Schwartzman e mostrou sem filtros a realidade de várias famílias de diversos níveis socioeconômicos em diferentes regiões do País. O primeiro episódio teve o mérito de mostrar a amplitude do espectro autista. Do pai de família que leva uma vida "normal", mas perde a bússola com o choro da filha por causa da dificuldade de processamento sensorial, ao autista clássico que não fala e passa horas assistindo a mesma cena de uma série da Disney, passando pelo menino americano de 14 anos gênio da física que tem chances de levar um prêmio Nobel. 
Isso é fundamental para derrubar o estereótipo de que os autistas são como o personagem do filme Rain Man. Para mim, mãe de um autista e razoavelmente bem informada sobre o assunto, o programa teve poucas revelações. Nem deveria ser diferente. Mas me emocionei especialmente com a história do Kevin. É triste ver uma família devastada, cansada e sem saber o que fazer para ajudar o filho. E sem apoio nenhum do Estado. O menino é tão obviamente autista. Não é um caso para dúvidas. E, mesmo depois de passar por seis (SEIS) médicos, o diagnóstico só veio agora, aos oito anos. 
Nas cenas do programa a gente vê o resultado de uma criança que fica oito anos sem tratamento. Kevin se agride, quer tomar dezenas de banhos por dia, numa busca incansável por inputs sensoriais. Tudo isso seria absolutamente contornável com tratamento adequado, que simplesmente não existe no Brasil para quem não pode pagar. E muitas vezes também para quem pode. Como muitos autistas, Tom também tinha enorme dificuldade para dormir antes do início do tratamento, há um ano. Demorava mais de uma hora para pegar no sono. Cansados depois de um dia de trabalho e querendo descasar, não era fácil para nós manter a calma e a cabeça no lugar com uma criança pulando incansavelmente na cama. 
Chorei muitas vezes depois que ele apagava por exaustão. Foram meses de persistência seguindo uma rotina definida por uma equipe multidisciplinar de terapeutas para finalmente a hora do sono deixar de ser um pesadelo para nós. E funcionou. Fui dormir pensando que os pais do Kevin provavelmente teriam mais uma noite sem dormir pela frente. Por culpa do governo que ignora uma condição que atinge cerca de 2 milhões de brasileiros. E torcendo para que o Fantástico continue a série com a mesma qualidade do primeiro episódio. 
Conhecer é um primeiro passo para mudar o quadro, a imprensa, principalmente a TV, tem papel fundamental nisso. 
Silvia Ruiz
Silvia Ruiz é jornalista, mãe da Myra, de 20 anos, e do Tom, de 3.

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